Sempre aprendi a respeitar a casa dos outros e a conquistar a confiança dos anfitriões. Fui criado assim e preservo tais sistemas até os dias de hoje.
Lembro-me de uma vez, quando na ocasião de um festival da canção, na cidade de Ipatinga, em que coloquei a prova essa minha conduta. Fui me apresentar nesse evento junto ao meu parceiro musical e amigo Marçal. Era sábado e o concurso começaria por volta das vinte horas. Se fôssemos para a final no domingo, teríamos que pernoitar naquela cidade.
Marçal era filho do anfitrião, aquele que nos recebera no momento em que chegamos à cidade. Um senhor de olhar longínquo, de palavras ralas. Muito observador e ouvinte. As pessoas naquele pedaço de terra faziam-lhe reverências, à medida que iam chegando ao quintal. Aqueles cabelos brancos, passos meticulosos, administravam o local com maestria centenária. Isso era notório!
Pensei: é aqui que vamos ficar. Preciso impressionar e ganhar a confiança do monarca. O problema era: o que fazer, uma vez que minha fala tranquila e gestos de polidez não produziam efeito algum? O velho andava pra lá e pra cá, com ar de fiscal tirando minha quietude. Eu me convencia: não tenho cara de passar a noite aqui. Envergonhado, peguei a viola para relaxar. O Marçal, fominha de música, não podia escutar um acorde vadio que já improvisava show. Nisso, chamou seu pai para apreciar minha apresentação. Pensei: é agora! Escolhi uma canção cheia de agudos e facetas vocais para impressionar. Se o moço gostar, quem vira rei nesse pedaço sou eu. O velho chamou todo o mundo, até sua esposa que se ocupava dos afazeres domésticos com certa devoção. Parecia um tribunal. Inspirei, respirei e comecei a cantar. A melodia, linda, bailava com as notas altas e longas que saiam de minha garganta acuada. O silêncio emocionado pairava no ar. Aquela figura que, de certa forma, era uma ameaça ao meu pernoite me Ipatinga se curvava lentamente em minha direção. A expressão dele se encolhia, à medida que a música crescia. Parecia ver algo divino em mim. A admiração era notória! Eu vibrava por dentro, já imaginando a premiação. Já sentia o calor dos aplausos. Era como se estendessem um tapete vermelho nos meus ouvidos para o desfile da frase: “seja bem-vindo: a casa é sua!”.
A música acabou. O velho se curvou para meu pescoço e fitou minha garganta como um arqueólogo diante da ossada de Jesus e disse, interrompendo o silêncio infernal que corrói qualquer avaliado: “ÔH, GUELA BOA PRA UMA FACA”.
Gacê
Revisão: Sônia Oliveira
Meu amadíssimo amigo Gacezinho
ResponderExcluirFico aqui lendo e relendo essa obra de arte tão bem descrita, sou capaz até de ver a situação e seu rosto aflito
Você é mais que poeta, é uma das maiores genialidades itabirana que ja li.
Parabéns meu amigo querido, pelo lindo blog e pelo texto
Amo você
Que lindo, fiquei com um sorriso no canto da boca, esperando pelo final...menino você me assombra!
ResponderExcluirQue lindo, fiquei com um sorriso no canto da boca, esperando pelo final...menino você me assombra!
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