quinta-feira, 27 de junho de 2013

NEM TUDO É JAZZ!


"É possível que eu esteja, agora, nesse exato momento, me comunicando com um produto da minha mente. Pode ser que não exista nada e que tudo é produto dos meus sentidos, inclusive você que está lendo esse “hãslhhsh”. E deve estar se perguntando: como pode não existir nada fora de você sendo que estou aqui te lendo? Te respondo: tive que criar semelhantes a mim. Estranhamente a solidão persuade antes do entendimento. Mudei várias características porque seria um tédio viver comigo mesmo em todo lugar que minha mente cria para meu próprio destino.
Bom, mas vamos mudar de assunto. Preciso de uma contradição, posto que se não, vou falar o que não devo pra mim mesmo. Tudo no universo está em movimento. Aliás, dois imprescindíveis movimentos: rotação e expansão.
Duas coisas formam tudo que conhecemos: energia e matéria. Sem o movimento não seria possível a formação de nada. É o movimento que determina o encontro de partículas que formam tudo. A energia vem e cola. Uma vez que esta também é excitação de elétrons. Se eu ficar com meu braço parado, a energia e a matéria em volta dele (braço também é matéria e energia, tá?) terá um tipo de reação. Se eu movimentar o meu braço, desloco energia e partículas ao redor dele, criando uma onda de reações. Movimento. As partículas e moléculas de oxigênio, por exemplo, no arraste do braço vão empurrando suas vizinhas, criando uma onda interminável.
O que falo determina seu movimento. O que ouço de você determina o meu. O que você entende do que falo, determina que tipo de movimento você vai fazer e vice-versa. Por isso para mim não existe Deus. Não existe milagre. Assim como o cérebro aciona o sistema imunológico para produzir no corpo, glóbulos, secreções e outros tipos de defesas contra um vírus, por exemplo, ele pode também reconstituir tecidos, matar células cancerígenas, produzir mais ou menos substância e afins. Isso não acontece com frequência, pois não sabemos explorar com maior destreza o nosso cérebro, e é aí que entra a questão da fé. Daquilo que se chama de “fé”. Fé é tirar mais proveito do cérebro do que o normal, fazendo com que ele nos cure, nos faça sentir e nos faça movimentar a ponto de deslocar ondas de energia e matéria até ser montado ou construído o objeto de desejo. Ao passo que: se não pensarmos com mais eficiência não se terá fé, não se terá movimento e não se terá o que se deseja. Amém?!"
Aí o celular toca pela vigésima terceira vez. Dele, uma voz debaixo de dois edredons se arrasta já quase sem esperança: "pare de beber! “Vembora” pra casa vagabundo, você tem que trabalhar daqui a pouco, seu cretino."

Marcos Gacê

terça-feira, 11 de junho de 2013

AH! SE A VIDA FOSSE BALDEAR.


Houve um tempo em que eu andava mais de ônibus. A maioria das pessoas fazem isso quando não tem seus carros. E eu, só andava. Não era transporte, era meio de locomoção: um dos itens da derradeira cartilha da vida inventada. Uma rotina pra se cumprir. Eu era mais um pedaço de carne se locomovendo no esquema sistematizado da sociedade. O curioso é que em algum momento da “evolução” algo dá errado, ou certo demais. Deixamos de ser carnívoros para ser gourmet. De ser destinatários para ser razão de itinerários.  
Porém, esse “blá-blá-blá” tem sua compensação. Usar o ônibus não é só ficar pulando de galho em galho. É preciso apreciar o ponto. O ônibus te faz esperar, você não o controla, se tem uma estimativa de quando ele passa. No ponto é possível sentar na angústia ou na oportunidade de ler e ser lido, ser o ouvido, informar-se aos goles mastigados, observar o gado, guiando propriedades ilusoriamente claustrofóbicas, muitas vezes, financiadas em até 60 meses.
E passam-se os ônibus! É engraçado como estamos sempre querendo viajar, sempre à iminência de obedecer a uma misteriosa força perdigueira. E os ônibus passam! Tripudiam a carência que escorre do canto da boca aberta. Passam vazios, lotados, curiosos, limpos, sujos... param quase em cima da gente. E dá vontade de penetrá-los! Pois a vida não foi feita para esperas e nem demoras. Já entrei em muitos e nunca me arrependi. Quando se tem coragem, certas doutrinas caem por terra e é revelada a recompensa das novas experiências.
No ônibus é possível encontrar inteligências para todos os gostos; o silêncio é colorido e randômico; os cheiros atrevidos, arrogantes, perniciosos e concupiscentes ao mesmo tempo, por não serem exalados por regras e nem ordem conveniente. Os olhares são todos os semáforos possíveis, de vastas cores guiando um tráfego frenético de pensamentos. No ônibus tem furto, tem gentileza, tem volúpia e o amor sempre pega carona por passar desapercebido à falta de “autoridade”. No ônibus você ri, chora, dorme. No ônibus a viagem nunca é a mesma, tem sempre uma expectativa do bem ou do mal. O ônibus te leva, te busca e te entrega, onde quer que você queira. Do ônibus se esquece, se lembra, se quer a chegada, quase de graça, sem satisfações. No ônibus se entra: em uns, por traz, em outros, pela frente. Não se pede permissão para pegar. Aquele que você quiser, vai te levar às suas escolhas, as quais, provavelmente, o habitual não levaria.
E é “nele”, não como boi, mas como águia, que se conclui: o “transporte” deveria ser feito somente pelos ônibus, mas com uma condição: que seus usuários deixassem de ser, somente, malotes de carne e osso de um lado para o outro e aprendessem a aproveitar a vida que não se tem naquilo que é o sonho da maioria das pessoas: a posse e o cárcere do “carro próprio”. Onde o diálogo é menor ou nulo, onde o calor é condicionado e geralmente se está só. Se goza só, sob a apólice de seguro das poucas liberdades.
Eu tenho carro próprio, mas me dá saudade de andar de ônibus.



Marcos Gacê

Revisão: Marçal Filho