terça-feira, 26 de julho de 2011

LIBERDADE EM CAMDEN TOWN



- Eu só queria tirar minha roupa, viver nua, pelada o dia inteiro. Comer pelada, brincar pelada, estudar pelada, namorar pelada. Ah! Essa seria a melhor parte.
- Por quê? Porque não existe nada igual ao que eu tenho debaixo da roupa. Ninguém é igual debaixo da roupa. Cada homem é um mundo debaixo de seu pano. Vestida, minhas pernas azuis se juntam a mais quinhentas mil pernas azuis. Meus braços amarelos são irmãos gêmeos de outros tantos.
- Menina, vai vestir roupa. Cuide de sua roupa. Troque sua roupa – Foi o que sempre ouvi. Todo mundo obedece, de um jeito ou de outro. Já vi gente que se desnudou com as próprias mãos. Talvez estivesse apertada demais, ou cheirasse mal, ou provocasse alergia. Enfim!
- Durante os anos em que deixei de ser menina, algo, que não sei explicar nem nos dias de hoje, aconteceu. Coisa maior que minhas indumentárias. Eu, involuntariamente, crescia dentro da roupa. E ela foi apertando meus seios, minhas nádegas, minha vagina, minhas coxas e meus sentimentos como uma laranja. Foi aí que comecei a gritar. O grito provocou os olhares, chamou a atenção. Todo mundo olhou para minhas vestes claustrofóbicas. Meu Deus, que diabo! É isso, só isso que sabem ver? É só isso que vocês querem? É só isso que importa? Enfim!
- Então deixei que viessem tocar, surrar, derramar seus fluídos. Não lavei, não passei, não troquei. Nela caíram labaredas de fogo, de feto, de álcool, de ópio, de coca e cola. Os buracos se tornaram janelas para a entrada do sabor do sol, das águas nuas da chuva, do agrado arrepiado do vento e suas mil mãos. As janelas se tornavam portas para eu ver as flores, os bichos, os rios, os beijos e os olhos dos que são chamados de loucos e pelados.
A moça fez uma pausa e com ela tudo ao redor se calou.
E eu, que andava tranquilamente a ermo naquela tarde de sábado, em julho de 2011, senti a atmosfera, ao mesmo tempo, em todas as partes do corpo. E emergi do silêncio como quando as águas te lançam para cima no processo de afogamento:
- Meu Deus, por que não te conheci antes?
Ela disse sem cor:
- Não se preocupe. Não é só você que se pergunta isso agora.
Eu, sem controle e admirado:
- Beija-me?
Ela disse sem forma:
- Agora é tarde. A não ser que se livre de sua roupa.

Marcos Gacê

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