quarta-feira, 18 de novembro de 2015



COISAS DE 17 ANOS

Não sei se é preguiça, descrença ou covardia, mas a palavra não sai. Ela sequer pula em suicídio, do alto do meu dilema, para ao menos se estatelar no chão e como vítima, satisfazer os moralistas que acordaram cedo, que se desviaram de seus empregos e seus assaltos, atraídos pelos meus pasquins de hipocrisia.
Mas como todo ímpeto de renúncia parece precedido de um naco de luz ou treva, alguém me interrompe, no exato momento em que um de meus pés paira no ar de minha ribanceira existencial:
- Eu estava fazendo coisas de menina de 17 anos!
Eu já tive 17 anos. Mas não lembro o que fiz com a menina que existia em mim.
De que adianta ser um homem cheio de compartimentos, gavetas, pavilhões e calabouços se não sei o que fiz da menina que, hoje sei, me completaria?
Por anos expressei supostas e inconscientes respostas e, talvez por isso, uns me chamam, poeta. Por verem sair do meu portão central, algumas vezes por ano, zumbis estéreis para cumprir suas liberdades condicionais. Por testemunharem a saída, desse presídio que sou, de anciãs que cumpriram uma pena que inventei. Inventei porque ela não sai.
Qual o delito da menina que vivia em mim? Por que ela não sai?
Com o chicote de Deus e a espada da justiça nas mãos, trancando portas a falo e gritos, contendo rebeliões e motins venusianos, do que adiantou ser o rei menino por tanto tempo?
Cadê a menina? Quem é o condenado agora?
E foi aí que a “ocupada” me disse sem abrir a boca. Com os olhos que só uma menina de dezessete anos pode ter:
- Não adianta abrir a porta hoje. Meninas viram mulheres ou morrem. A sua, aquela que não sai, foi morta pelo seu cárcere social.
- Só os poetas de verdade conseguem voltar no tempo de suas meninas para devolver a elas, suas coisas dos dezessete anos.


Marcos Gacê

domingo, 22 de março de 2015

FARPA DE VIDRO



Minha felicidade é daquelas companheiras que ao chegar à festa ou ao bar, escolhe seu canto e de lá, observa quem bebe, quem fuma, quem beija, quem come, quem some, quem urge, quem suja, quem bole, quem rouba, quem devolve, quem dança, quem cansa, quem compra, quem doa, quem chega e quem vai.
Às vezes vou embora furtado de pudor ao carregar o espólio dessas guerras noturnas e nem percebo que a deixei por lá. E ela fica. Fica para observar e tomar nota daquilo que nem imagino ser possível existir. Mais tarde, em letargia, ouço o ranger de portas e a presença daquele calor que só faz no outono da metade das nossas vidas. Ela se deita, com a maestria de quem não quer me acordar...
Outro dia, nos aprontando para mais uma noitada, calçando os sapatos, tive coragem de perguntar o que a muito me atormentava. Um paradoxo por sinal. Após tantos anos na árdua missão de me servir, seria minha felicidade, feliz?
Ao virar, deparei-me com o vazio dos invernos que hibernam nas costelas de nossas vidas. Ela já havia tomado um táxi para chegar à frente e marcar meu lugar.
(GACÊ) Março/2015