Era quase meio dia, hora do almoço, quando uma das paciências se esgotou.
- Gacê, Deus deve ficar triste quando te ouve falar dessas
coisas. Dessas novas crenças e referencias que insultam sua doutrina e seus
ensinamentos. Aceite seu Deus pai, todo poderoso e será mais feliz. Só Ele pode
te dar conforto e te reservar a paz eterna. Deixe Jesus ser seu amigo e
governar a sua vida – suplicava Camilo com uma veemência, verdadeiramente,
tocante.
- Como pode alguém que nunca vi e nem conheço, governar a
minha vida? E pelo que sei, é a única que tenho. Quem garante que deus é
soberano, que criou toda a existência e a ele, todos devem obediência e temor? –
questiona Gacê pacientemente.
A Bíblia sagrada – profere Camilo. Ela é a palavra
e lá esta escrito!
Camilo. – Gacê inclina-se fitando os olhos de seu amigo. –
você sabia que a milhares de anos atrás a divindade na terra era representada
pela mulher e que, posteriormente, por uma série de descobertas e
interpretações, a mulher sai de cena e dá lugar ao homem? Sabia que deus já foi
representando por um falo? Sabia que a humanidade já foi e nos dias atuais, algumas tribos e ate países ainda são regidos pelo politeísmo?
O que me diz das outras religiões não cristãs e suas
doutrinas tão adversas que regem, até hoje, a vida de centenas de milhões de
homens em todo o mundo?
Não estou pedindo que abandone sua crença, mas seria interessante
que você pesquisasse, lesse outros livros que relatam a história da humanidade
sob várias óticas e instrumentos. Conheça a ciência, seus efeitos e
constatações. Conheça, principalmente em outros livros, a metamorfose frenética
do comportamento e do pensamento humano durante os tempos.
Bem antes da invenção da escrita o homem procura de alguma
forma registrar sua cultura, sua organização social e suas descobertas.
Diversos documentos, relatos, objetos, fósseis, experimentos, monumentos e
principalmente, os livros, em todas as partes do mundo, durante os tempos, abrem
um leque variado para interpretações livres a respeito de nossos
questionamentos mais básicos.
- Eu não acredito em nada do que você está dizendo. - Camilo
rejeita serrando os olhos numa incredulidade quase irônica. – eu acredito na Bíblia e isso basta para que
eu seja fiel ao meu Deus e seu filho amado, Jesus.
Gacê suspira recostando na cadeira daquele pequeno
restaurante das horas dos almoços de longos 25 anos. Com as duas mãos
entrelaçadas, apoiando a cabeça pela nuca, sorri e sugere ao amigo que os
estômagos já deveriam estar fartos das bocas dançarem tanto e nada descer pelas
goelas.
- Vamos almoçar amigo!
- Já é tempo! Diz Camilo com certo alívio e pesar!
- Posso te fazer uma pergunta? – Gacê inclina-se sobre a
mesa em direção ao amigo. – Você está em uma caverna. Perdido numa mata. Há cinco
dias você padece com frio, medo e muita fome. Aí então eu apareço numa noite, trazendo um pote grande com uma quente e deliciosa sopa de arroz, e lhe ofereço. O que você faz?
- Como é claro! – Camilo responde sob a fresta de um sorriso
curioso.
- E que gosto tem a sopa de arroz?
- De arroz, obviamente! – Camilo sorri sob as portas escancaradas
de um sorriso debochado.
- O que matou sua fome
Camilo?
- A sopa de arroz do meu amigo Gacê! – Diz gargalhando como
quem pergunta aonde você quer chegar com isso tudo.
- E se ao invés da sopa eu lhe trouxesse numa mochila, vários
potes e neles, pedaços de frango ensopado, purê de batatas, feijão com pedaços
de bacon, arroz branco, verduras frescas, porções de lombo defumado, postas de
peixe grelhado, frutas frescas, chocolate e um frasco de vinho, meu amigo
Camilo?
- Nossa! – Sussurra Camilo fechando os olhos em êxtase. – Eu
comeria todos é óbvio!
- E qual desses sabores matou a sua fome?
Camilo paralisou o rosto e um silêncio ilustrou, talvez, o
que existia antes da grande explosão ou das primeiras palavras de Deus no momento da criação. Sua duração? Talvez como a que é preciso para dar uma volta
no universo ou a mesma que tem a vida eterna no céu. Um silêncio denso e paradoxal,
quebrado por Camilo, numa resposta maior que a fé e menor que um átomo.
- Todos.
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