Houve um tempo em que eu andava mais
de ônibus. A maioria das pessoas fazem isso quando não tem seus carros. E eu,
só andava. Não era transporte, era meio de locomoção: um dos itens da
derradeira cartilha da vida inventada. Uma rotina pra se cumprir. Eu era mais
um pedaço de carne se locomovendo no esquema sistematizado da sociedade. O
curioso é que em algum momento da “evolução” algo dá errado, ou certo demais.
Deixamos de ser carnívoros para ser gourmet. De ser destinatários
para ser razão de itinerários.
Porém, esse “blá-blá-blá” tem sua
compensação. Usar o ônibus não é só ficar pulando de galho em galho.
É preciso apreciar o ponto. O ônibus te faz esperar, você não o controla, se
tem uma estimativa de quando ele passa. No ponto é possível sentar na angústia
ou na oportunidade de ler e ser lido, ser o ouvido, informar-se aos goles
mastigados, observar o gado, guiando propriedades ilusoriamente
claustrofóbicas, muitas vezes, financiadas em até 60 meses.
E passam-se os ônibus! É engraçado
como estamos sempre querendo viajar, sempre à iminência de obedecer a uma
misteriosa força perdigueira. E os ônibus passam! Tripudiam a carência que
escorre do canto da boca aberta. Passam vazios, lotados, curiosos, limpos,
sujos... param quase em cima da gente. E dá vontade de penetrá-los! Pois a vida
não foi feita para esperas e nem demoras. Já entrei em muitos e nunca me
arrependi. Quando se tem coragem, certas doutrinas caem por terra e é revelada
a recompensa das novas experiências.
No ônibus é possível encontrar inteligências
para todos os gostos; o silêncio é colorido e randômico; os cheiros atrevidos,
arrogantes, perniciosos e concupiscentes ao mesmo tempo, por não serem exalados
por regras e nem ordem conveniente. Os olhares são todos os semáforos
possíveis, de vastas cores guiando um tráfego frenético de pensamentos. No
ônibus tem furto, tem gentileza, tem volúpia e o amor sempre pega carona por
passar desapercebido à falta de “autoridade”. No ônibus você ri, chora, dorme.
No ônibus a viagem nunca é a mesma, tem sempre uma expectativa do bem ou do
mal. O ônibus te leva, te busca e te entrega, onde quer que você queira. Do
ônibus se esquece, se lembra, se quer a chegada, quase de graça, sem
satisfações. No ônibus se entra: em uns, por traz, em outros, pela frente. Não
se pede permissão para pegar. Aquele que você quiser, vai te levar às suas
escolhas, as quais, provavelmente, o habitual não levaria.
E é “nele”, não como boi, mas como
águia, que se conclui: o “transporte” deveria ser feito somente pelos ônibus,
mas com uma condição: que seus usuários deixassem de ser, somente, malotes de
carne e osso de um lado para o outro e aprendessem a aproveitar a vida que não
se tem naquilo que é o sonho da maioria das pessoas: a posse e o cárcere do
“carro próprio”. Onde o diálogo é menor ou nulo, onde o calor é condicionado e
geralmente se está só. Se goza só, sob a apólice de seguro das poucas
liberdades.
Eu
tenho carro próprio, mas me dá saudade de andar de ônibus.
Marcos Gacê
Revisão: Marçal Filho
Andar de ônibus tem seu preço ,e por mais que se tenha o carro próprio e bata a saudade, você não vai se encontrar no ambiente que viveu antes de dar sinal e descer , vai se sentir em outro mundo quando puder parar em um ponto e "trocar uma ideia" com os passageiros que iram pegar o próximo que passar.
ResponderExcluirPerfeito Texto,
Eu viajei nessa história, mas fiquei com a impressão que na verdade os ônibus se parecem muito com as pessoas, porque fazemos viagens incríveis em algumas pessoas.
ResponderExcluirMarcos Gacê, parabéns, que você nunca perca esse dom...sua amiga Adriana Ventura.
Excelente. Ótimo. Bom com força. Texto bem definido.Nota-se grande talento e muita inspiração. Adentra o imaginário, permite carona nas ideias do autor,no controle de seus sentimentos alados. Grande abraço.
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