terça-feira, 23 de abril de 2013

VIDA ARRIADA



O "Juca Batista" é um conjunto habitacional de prédios, aqui “nas Itabira”. As garagens nem sempre são para guardar carros. Há uns 10 anos atrás, eu subia de carro e via numa dessas garagens uma fabriqueta de celas de montaria. Muito couro, formas, enfeites, fivelas, muitas cores, ferramentas, tilintares, encomendas, cheiros, sol, hora do almoço, conversas, contos, promessas, lembranças, sustento, alegria e compromisso. Devia ter um rádio! Claro. Ave Maria, uma breve prece de manhã e a tarde. Tinha pregos e cola. Tecido. Gente entrando e saindo. Tinha os cumprimentos rancheiros, civilizados, atualizados e tinha uma garrafa de café. Eu não a via, mas tinha. Tem até hoje essa lojinha de celas dentro de mim, com uma riqueza indecifrável e com o vigor de seu aparentemente, dono – um senhor de 70 a 80 anos, cabelos brancos, alto de rosto retangular e sulcos longilíneos. Os olhos eram acoplados no sorriso fácil e satisfeito. Sorriso ocupado, sorriso empregado. Sorriso útil. Eu via tudo isso nos 2 ou 3 segundos que meu carro passava em frente a essa loja. Parecia que era uma missão, gravar cada detalhe daquela cena de vida, para reviver nos tempos de hoje. Quando eu passo em frente a garagem, lá está a parede sem placa. Um carro é o novo inquilino e do lado de fora, perto da metade do portão que guarda o valioso bem automotivo, que certamente não precisa de cela e nem tradição, sentado sozinho numa cadeira nua, está o mesmo velho, porém com uma nostalgia aposentada tão grande, que pende seu olhar para o nada.


Marcos Gacê

8 comentários:

  1. Eu poderia dizer muitas coisas sobre você, Marcos Gacê, mas nenhuma seria tão verdadeira quanto o fato de que eu amo o que você escreve...toca a minha alma.Eu já lhe disse que você deveria viver da sua literatura, mas você não acredita, não sei se lhe falta coragem, apoio...o que sei e você sabe também, é que você tem em mim uma admiradora de seu trabalho.Esse texto me fez lembrar daqueles armazéns onde se vendia de tudo e as coisas ficavam empoeiradas aguardando por alguém que as comprasse..achei lindo a riqueza de detalhes como você descreve suas lembranças.Espero que venham muitos outros textos.Gostaria de deixar uma dica, não sei se você já tem, mas se ainda não tem faça uma conta no Google + e coloque seus textos lá, é um lugar onde as pessoas estão ávidas por novos escritores e com certeza seus textos farão sucesso.Abraços!

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    1. Bom dia, você que me fez pensar em como viver do que escrevo! Não há nada mais gratificante do que quando nossa arte toca o cerne das pessoas. Obrigado por acompanhar e compartilhar sua visível sensibilidade! Grande beijo.

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  2. Meu querido amigo, você descreve tão bem as cenas simples da nossa "brasileirisse" que sou capaz de ver daqui isso tudo, até os olhos perdidos olhando para o nada desse senhor.
    Adoro seus textos e vou aguardar outro

    Beijo grande

    Ceiça Bentes

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    1. É sempre uma alegria ter a apreciação de uma poetisa da sua estirpe, grande Ceiça!

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  3. O fim de um tempo, o fim das coisas, o fim da gente...É tão comum, e ao mesmo tempo tão estranha essa ordem natural. Como saudosista que sou, mais uma vez foi um deleite provar da sua sensibilidade.

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  4. Gacê, você descreveu com perfeição incrível todo o cenário e o texto foi absolutamente sucinto e nem por isso deixou a sensibilidade dormindo noutro espaço. Parabéns...Abraço e meus respeitos.


    Marçal Filho

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    1. Os respeitos são meus, Parceiro. Você é muito importante nesse processo todo de plantio literário.

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