sábado, 27 de abril de 2013

A MULHER QUE ME ENGRAVIDOU




Ruiva! Media 1,67m. Tinha um longo pescoço sustentando aquele rosto oval, impregnado de olhos verdes, cheio de bocas nas mais variadas condições de oratória e destreza física. O nariz seccionava um lago de sardas charmosas – adorno meio Art Nouveau que fazia jus à classe de sua concupiscência. Quase infantil no abraço, sem deixar nenhuma possibilidade de pedofilia. Corpo esguio, branco, tatuado por aquela mesma espécie de sardas que eram seixos no leito dos seios, dos quadris e do púbis. Um cheiro para poucos – se existe pecado, este seria, expor a olfatos de senso comum, tal iguaria aromática rara. Louca por literatura, filmes italianos e franceses, Chet Baker e Chiquinha Gonzaga. A perfeição, forjada de defeitos pervertidos. Eu sempre tive um fascínio pelas ruivas, talvez por não serem as minhas preferidas e, os paradoxos tem lá seus domínios sobre mim. Seu nome? Recuso-me a dizer - não é nada oneroso para esse conjunto na mulher que roubava minhas respostas e as escondia entre as trincheiras do cabelo longo, no aconchego da boca e na insanidade da vulva. Certas mulheres não carecem de nome, porque não carecem de chamado. Elas sentem o cheiro de sua urgência, como “Ela” sentiu o meu naquela tarde de maio sem ano.
Balbuciava Nina Simone, acho que era Feeling Good, quando saiu do banho ajeitando a toalha sobre os seios. O cabelo era um tronco retorcido, nascendo das costelas e abraçando o pescoço. As gotas de água deslizavam sobre a pele como carinho de mão. De repente tudo parou e ela aconteceu nua sobre mim e sobre todas as horas do resto daquele dia.
Então veio a gravidez. Era inevitável e preciso. Os sintomas começaram a aparecer meses depois que “Ela” sumiu no mundo, sem dar notícias. As dores começaram a ficar mais fortes e as contrações pareciam ondas gigantescas impondo uma nova geografia, preparando a existência para receber uma dádiva – o fruto de uma paixão que não deve ser condenada por ter sido tão efêmera – ela era a compilação de uma vida inteira na beleza de poucos dias. Entrei em trabalho de parto, fechei os olhos e me confortei nos sentimentos e sensações, que eu havia vivido com ela meses atrás, ainda impregnados em meu corpo, e dei a luz à minha filha mais querida. Simples. Linda. Saiu de mim já com letra e melodia e atende pelo nome de “Ilha-me”

Marcos Gacê




Correção: Vanderlei Timóteo - http://vanderleitimoteo.wordpress.com/

terça-feira, 23 de abril de 2013

VIDA ARRIADA



O "Juca Batista" é um conjunto habitacional de prédios, aqui “nas Itabira”. As garagens nem sempre são para guardar carros. Há uns 10 anos atrás, eu subia de carro e via numa dessas garagens uma fabriqueta de celas de montaria. Muito couro, formas, enfeites, fivelas, muitas cores, ferramentas, tilintares, encomendas, cheiros, sol, hora do almoço, conversas, contos, promessas, lembranças, sustento, alegria e compromisso. Devia ter um rádio! Claro. Ave Maria, uma breve prece de manhã e a tarde. Tinha pregos e cola. Tecido. Gente entrando e saindo. Tinha os cumprimentos rancheiros, civilizados, atualizados e tinha uma garrafa de café. Eu não a via, mas tinha. Tem até hoje essa lojinha de celas dentro de mim, com uma riqueza indecifrável e com o vigor de seu aparentemente, dono – um senhor de 70 a 80 anos, cabelos brancos, alto de rosto retangular e sulcos longilíneos. Os olhos eram acoplados no sorriso fácil e satisfeito. Sorriso ocupado, sorriso empregado. Sorriso útil. Eu via tudo isso nos 2 ou 3 segundos que meu carro passava em frente a essa loja. Parecia que era uma missão, gravar cada detalhe daquela cena de vida, para reviver nos tempos de hoje. Quando eu passo em frente a garagem, lá está a parede sem placa. Um carro é o novo inquilino e do lado de fora, perto da metade do portão que guarda o valioso bem automotivo, que certamente não precisa de cela e nem tradição, sentado sozinho numa cadeira nua, está o mesmo velho, porém com uma nostalgia aposentada tão grande, que pende seu olhar para o nada.


Marcos Gacê